18 de janeiro de 2004

LER NA ESCOLA
Arrisco-me a ficar repetitivo. Mas ao ver aquela professora de português (ainda não fixei o nome) a bater-se pela literatura no ensino, sinto-me na obrigação de voltar à carga.
Já afirmei várias vezes que considero o modelo de escola como insistimos em manter no nosso país como acabado. Não resulta. Já não resulta. A desresponsabilização dos pais e o desaparecimento da figura tutelar, bem como o fluxo de informação fragmentada, conduziu a gerações tão à solta que não se lhes pode pedir que fiquem sentadas a escutar com enlevo. Sobretudo não se pode pedir aos professores que OBRIGUEM esta gente a ouvir, quando o modelo que trazem de casa é outro. Um professor conduz ao conhecimento. Poderia conduzir ao "saber estar", se os programas incidissem prioritariamente sobre o assunto, nos primeiros anos mas não o pode fazer, quando tem de chegar ao final das convulsões novecentistas, fazer-se ouvir por cima dos sinais de mensagens e puxar ao mesmo tempo as criaturas do fundo acnoso onde caíram. Outra escola, virada para o desenvolvimento de competências intrapessoais e interpessoais poderia fazê-lo. Esta, não. Contudo, como ninguém parece estar interessado em mudar as coisas radicalmente, talvez possamos falar sobre os programas actuais.
A professora tem razão: os programas de português foram feitos por pessoas que não gostam de Literatura. Ou, pelo menos, não lhe avistam outra coisa que o lado prático, para transmitir o que diabo é uma metonímia ou outra coisa qualquer com nome de xarope para tosse.
Enquanto escritor, protesto! Não escrevo livros para que gente que não faz ideia do que é viver por umas horas ou dias na pele de uma personagem diferente de nós, me conspurque as frases obtidas a ferros com divisão de orações. Nem mesmo para os que entendem, mas que por razões úteis são forçados a lidar com estes manuais. Merda para as orações sobre as frases feitas para serem "escutadas". Sobre as frases feitas para abrir as portas do mundo. Sobre aquilo que existe para ser partilhado como um prazer. Merda para os determinantes e para as figuras de estilo, para a conjugação verbal e para todas as teorias (ultrapassadas em todo o mundo, excepto no Bangladesh) que tentam impingir às criancinhas. Façam-no sobre o que quiserem, mas sobre a Literatura, não! A Literatura lê-se. Não se impinge como prontuário.
Na verdade, trata-se apenas de uma questão de bom senso. Redigir textos puramente utilitários para explicar o funcionamento da língua não é complicado. Custa mais caro do que "picar" os textos dos escritores (que não vêem um cêntimo dos milhões de euros que engordam as editoras escolares) mas seria mais funcional.
Se os ministérios não estivessem cheios de damas incompetentes e funcionários que subiram a golpes mesquinhos na carreira, dirigidos por políticos que foram para a educação porque não eram suficientemente interessantes para a chegarem à Economia ou às Finanças, onde o poder se joga verdadeiramente, isto seria uma EVIDÊNCIA.
Já para não falar na razão porque continuamos a atormentar gerações inteiras com autores mortos, alguns de discutível qualidade literária, enquanto a noção de contemporaneidade começa em Agustina (que tem 80 ANOS!). Na vizinha Galiza, os livros de escritores recentes são lidos e discutidos, num diálogo vivo com os autores. Aqui não. Tomem lá com o Herculano... e descubram o Sintagma Nominal...
Oh, valha-me Deus...

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